quarta-feira, maio 31, 2006

Solano Portela

Barth para Leigos - 2: Neo-ortodoxia e a Teologia da Reforma

Ainda nesta série de posts, e complementando o anterior quero colocar um pequeno comparativo com a teologia da reforma. Alguns me perguntaram se não existia qualquer contribuição positiva da neo-ortodoxia. Acredito que houve alguma. Afinal, Barth deu uma sacudidela na esterilidade do pensamento teológico corrente e insistiu que o liberalismo clássico era inadequado – não glorificava a Deus nem atendia às necessidades das pessoas.

Entretanto, paulatinamente, a neo-ortodoxia foi introdutora de um subjetivismo danoso. Nesse sentido, ela facilitou o adentramento da compreensão pós-moderna no campo teológico e com ele o conceito da relativização da verdade, ou pluralização de "verdades" ("minha verdade não é a sua verdade"; ou, "afinal, existe a verdade?"). Isso levou a um afastamento progressivo dos pontos defendidos pelos reformadores.

Vejam essa tabelinha comparativa com os cinco solas da reforma:
Percebem que a questão não é a rejeição explícita dos pontos, mas a redefinição deles e a visão subjetiva introduzida onde deve existir objetividade? Por esta razão a neo-ortodoxia torna-se tão querida da mente teológica contemporânea - permite o linguajar doutrinário clássico, mas cada um vai colocando nele o significado segundo a sua apreensão da religiosidade. Perdem-se no ar, portanto, as âncoras metafísicas proposicionais e a possibilidade de um diálogo ou argumentação com real significado.
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quinta-feira, maio 25, 2006

Solano Portela

Barth para Leigos

O Dr. Augustus Nicodemus tem postado artigos sobre Barth, neo-ortodoxia e sua influência no meio evangélico brasileiro. Numa conversa nossa, na qual indiquei que eu tinha arquivados alguns pensamentos sobre o teólogo e seu ramo de teologia, ele achou que caberia esta inserção meio intrometida. É uma espécie de “Barth for Dummies”, ou “simplificando a neo-ortodoxia para o resto de nós”, casta não iniciada. Os puristas não devem se desesperar, pois restam ainda um ou dois posts do Nicodemus sobre o assunto, que serão devidamente colocados, na seqüência, restaurando o nível do blog.

A neo-ortodoxia é uma corrente teológica que não foi batizada com esse nome. No início ninguém a chamava assim, o que não deve deixar os correligionários tristes, porque poucas são as linhas teológicas que receberam o nome que passou para a posteridade, na ocasião do nascimento. Afinal, luteranismo só foi chamado assim após 1580 e os reformados só ficaram conhecidos com esse nome após 1600, quando os calvinistas e filipistas se apropriaram do nome, para se distinguirem dos luteranos.

Como já foi indicado em post anterior, a neo-ortodoxia começou como uma reação aparentemente saudável ao liberalismo. Teólogos, entre os quais está Karl Barth como um dos maiores nomes, se posicionavam contra o racionalismo do liberalismo e davam valor às Escrituras, voltavam a falar de Deus em termos reverentes e encorajavam uma postura piedosa de vida.

Acontece que, com o passar do tempo e na medida em que muitos escritos foram sendo produzidos a neo-ortodoxia mostrou que não estava realmente disposta a confrontar o liberalismo e, especialmente, o cientismo (termo que pode ser definido como a elevação da ciência conhecida ao ponto culminante, como aferidora de todo o saber remanescente) com as simples verdades da Palavra de Deus. Apesar das possíveis boas intenções não acataram a Bíblia com o mesmo apreço dos reformadores, que pregaram o seu caráter proposicional e objetivo: padrão de aferição de todo o pensamento e fonte suprema de nosso conhecimento religiosos e metafísico.

Nesse sentido, os neo-ortodoxos passaram a redefinir certos termos, no sentido de evitar conflitos com a ciência conhecida e com supostos postulados históricos. Ou seja – procuraram conservar terminologia cristã, em paralelo a uma aceitação ampla de uma visão humanista da história e da ciência. A forma achada de resolver esse conflito, foi criar duas esferas ou estradas de conhecimento, de registros ou de impressões da história. Uma seria chamada de HISTORIE (história, fatos brutos); a outra, mais elevada, de HEILSGESCHICHTE (história santa, sagrada ou história salvífica - estão vendo como a língua alemã é complicada?).

Desta forma, fica tudo mais fácil de resolver: se alguém pergunta - "a criação realmente aconteceu"? A resposta daquele que agora já era conhecido como neo-ortodoxo (porque se distanciava mesmo dos ortodoxos – ou seja dos fiéis reformados), possivelmente seria algo assim: “alguma coisa aconteceu, mas isso é campo da ciência; não é relevante para o nosso meditar e caminhada em direção a Deus – isso é HISTORIE; o que estamos interessados é em HEILSGESCHICHTE e é isso que temos na Bíblia – como essas questões impressionaram e afetaram o autor – ou autores”. Na realidade, para o neo-ortodoxo a integridade e ausência de erro do texto também não é algo relevante; é fruto de uma visão antiquada e ultrapassada dos escritos sagrados.

Semelhantemente, perguntando alguém: "a ressurreição realmente aconteceu?" O neo-ortodoxo, provavelmente não consideraria essa uma questão que devesse merecer preocupação; em sua visão ela não é relevante; os registros bíblicos são HEILSGESCHICHTE e se a ressurreição aconteceu ou não, foi assim que ela impressionou os primeiros cristãos e aqueles que registraram os reflexos religiosos dessa experiência – qualquer que tenha sido, realmente, ela. Isso quer dizer que o importante, não é o aspecto HISTORIE da ressurreição, mas o que esse conceito representa para você, como ele lhe move ou o comove a ser uma melhor pessoa e a ter mais solidariedade humana em sua existência.

Criando esses dois mundos, resolveram uma série de conflitos. Teólogos não precisavam mais se preocupar com as alegações da ciência conhecida (note que eu chamo de ciência conhecida, porque ela vai se metamorfoseando em algo desejavelmente mais veraz a cada nova descoberta que se faz), mesmo quando essas alegações entram em choque com a Bíblia. Teólogos passaram a ser intelectuais respeitáveis, em vez de simplesmente oradores de discursos chatos e ultrapassados, sempre concentrados em um mesmo tema – "o que dizem as Escrituras"?

Só tem um probleminha com isso tudo. A Bíblia, e a realidade do mundo criado pelo Deus soberano, desconhecem essa divisão artificial criada pelos neo-ortodoxos. Somos impressionados, sim, pelos fatos da história (HISTORIE), pois é nela que Deus desenvolve a sua providência. Deus é um Deus que interage com a história. Suas ações acontecem no tempo e no espaço. A vinda de Cristo realmente aconteceu, da forma como está descrita, e isso é um evento HISTORIE tanto como HEILSGESCHICHTE, pois esses dois aspectos convergem e se sobrepõem.

Paulo, ao substanciar a ressurreição (1 Co 15, entre outros textos) não dá qualquer indicação de que está preocupado apenas com o reflexo religioso ou com o caráter "supra-histórico" desse evento, qualquer que este tenha sido. Não! Ele trata a ressurreição como algo que aconteceu mesmo e foi testemunhado por inúmeras pessoas, muitas das quais ainda viviam quando escreveu (para dar ainda maior credibilidade). Paulo não estava preocupado apenas no reflexo religioso de uma mensagem intangível historicamente, mas "arrazoava" objetivamente com os seus ouvintes, transmitindo fatos proposicionais de verdades históricas de valor eterno.

Na prática qual o perigo da neo-ortodoxia, para a igreja cristã? Mesmo que tenham enfatizado uma vida devocional mais intensa, "puxaram o tapete" dos reformadores que haviam resgatado a objetividade das Escrituras; embarcaram a teologia cristã em um subjetivismo que praticamente pavimentou o caminho para qualquer tipo de idéias. Partindo de Barth, que era mais "ortodoxo" que os demais, a escalada foi descendente em amplos degraus: Bultmann, Tillich e outros foram se aproximando cada vez mais do velho liberalismo.

Um exemplo recente: A revista Ultimato, em seu No. 261 (na realidade, já faz alguns anos), traz um artigo sobre ciência e a Bíblia por um conhecido presbiteriano, professor de um dos seminários. A impressão extraída da leitura daquele artigo é a de que ele reflete bem a teologia de Barth: algo assim como – "não me importune com a história ou os fatos reais, pois podemos perder a mensagem principal transmitida nos textos bíblicos". É óbvio que o artigo não coloca a questão nessas palavras, mas essa é a impressão que tive da abordagem do autor, como se a mensagem bíblica pudesse ser divorciada das realidades históricas; como se a historicidade de Adão não fosse fato relevante à construção teológica e até à apresentação da pessoa de Cristo nos escritos paulinos.

A teologia de Barth tem tido intensa influência e penetração nos círculos intelectuais teológicos. O teólogo Franklin Fereira escreveu um excelente artigo sobre Barth na revista Fides Reformata (Volume 8/1, janeiro-junho 2003), no qual destaca algumas contribuições dele, mas tece também críticas pertinentes. A grande questão não é tanto quanto à contribuição, mas quanto será que o seu subjetivismo e abandono da visão reformada das Escrituras tem prejudicado a verdadeira fé? Quanto será que Barth aplainou o caminho e encorajou os Tillich da vida de irem "mais além", de deixarem o Sola Scriptura, de pensarem inclusivisticamente, de baixarem a guarda contra o pluralismo incipiente? Quanto Barth é responsável, não por um ressurgimento de interesse na ortodoxia e abandono do liberalismo clássico, mas pela teologia amorfa que tomou conta de mentes e setores que, antes, eram bastiões da sã teologia reformada, como é o caso de Berkower e da Free University, em Amsterdam? Quanto, de Barth é religiosidade verdadeira e quanto é puro misticismo?

Os conceitos barthianos de "historie" e "heilsgeschichte" legitimaram o divórcio da religiosidade com a realidade; isso tornou desnecessária a defesa da verdade. Disso se aproveitou o próprio liberalismo, tão combatido na forma antiga por Barth, para entrar pela porta dos fundos nos seminários e, por último nas igrejas, e ele está bem vivo em nosso meio.

Franklin, em uma ocasião me escreveu: "Acho que este é o problema principal em Barth. Ainda que, em alguns pontos, ele apóie a posição cristã histórica, e tenha sido piedoso, sua teologia tem fraquezas tão óbvias que não propiciaram defesa aos assaltos de Bultmann e Tillich – e olha que Barth entendia que Bultmann e Tillich estavam voltando ao liberalismo! Também poderia destacar o fato de que após a II Guerra a teologia bartiana entrou em colapso no Velho Mundo".

Existem boas críticas da posição teológica de Barth e dos demais neo-ortodoxos em inglês. Um bom livro é o de Gordon Clark: "What do Presbyterians Believe - The Westminster Confession Yesterday and Today", publicado pela The Presbyterian and Reformed Publishing Co. A preocupação maior de Clark é comentar as Escrituras como única fonte, com autoridade, de conhecimento religioso (complementando a revelação natural). Ele destaca o termo "infalível", utilizado no primeiro cap. da CFW e manda bordoadas nos neo-ortodoxos, indicando como as visões de Bultmann e Barth são incompatíveis com a aceitação da Confissão de Fé de Westminster.

Exatamente por essa razão, não dá pra classificar Barth de "reformado", como fazem muitos (nem dá para se entusiasmar com a teologia de Bonhoeffer, que é igualmente neo-ortodoxo – apesar de ser sempre citado, corretamente, como um modelo de coragem na postura cristã, por sua resistência ao nazismo).

O conceito de Barth das Escrituras é tudo MENOS reformado. Veja o que ele escreveu em um dos seus trabalhos mais importantes: Church Dogmatics (Edinbugh: T. & T. Clark, 1957), Vol. 1, Sec. 2, p. 492 - "A Bíblia... em si própria não é revelação mas apenas, e esta é a sua limitação, uma testemunha da revelação". Na página 501 ele escreve: "Você não pode atribuir à própria Bíblia... a capacidade de nos revelar Deus de tal forma que pela sua presença ela nos dê uma fé sincera na Palavra de Deus contida nela". Ou seja uma afirmação freqüente e verdadeira, sobre qual seria o conceito de Barth seria a seguinte: A Bíblia não é a Palavra de Deus, mas um testemunho da Palavra de Deus. Outra maneira de colocar, é que ela pode se tornar a Palavra de Deus, de acordo com a apreensão pessoal e subjetiva do leitor, mas ela, intrinsecamente, não o é. Ainda no mesmo livro (Vol. 1, seção 1, p. 123) ele escreve: "A Bíblia se torna a palavra de Deus na medida em que Deus a deixa ser sua palavra, na medida em que Deus fala através dela". Esse conceito está muito distante da teologia reformada. Perguntamos: A Bíblia é inspirada porque é poderosa em nós, ou ela é poderosa porque ela é inspirada?

Veja como um "teólogo" tupiniquim expressa a sua compreensão da neo-ortodoxia e sua simpatia por ela: "Na minha opinião, esses teólogos eram equilibrados; vejamos por exemplo a questão da inspiração bíblica: enquanto o fundamentalismo defendia que a bíblia é a palavra de Deus, porém de forma não exegética (mas sim "eixegética") e totalmente sem reflexão teológica e o liberalismo defendia que a bíblia contém a palavra de Deus, usando a história, a filosofia e até a alta crítica para desvalorizar as escrituras, alguns dos neo-ortodoxos, como Barth, trouxeram uma concepção racional sobre inspiração que não tira a autenticidade da revelação".

No entanto, como vimos pelas citações de Barth, sua visão em nada difere daqueles que afirmam que a Bíblia apenas contém a Palavra de Deus. A neo-ortodoxia, assim, dá uma volta sobre si mesma e termina legitimando o liberalismo, ou oferecendo o liberalismo como conclusão final de suas elucubrações místicas.
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segunda-feira, maio 22, 2006

Augustus Nicodemus Lopes

"A Voz é de Jacó, porém as mãos são de Esaú"

Por     24 comentários:
Num post anterior eu disse que escreveria mais sobre a declaração: “em termos de conteúdo, o barthianismo tem pouca coisa em comum com a ortodoxia histórica da Igreja”. Quando me refiro à ortodoxia histórica, quero dizer as crenças clássicas do Cristianismo histórico, inicialmente confessadas no Credo Apostólico e posteriormente desenvolvidas na produção literária dos reformadores e nas grandes confissões reformadas. Delas, quero destacar a doutrina das Escrituras. Penso que é aqui que reside a maior diferença entre a neo-ortodoxia e a antiga ortodoxia.

O que confunde muitas pessoas é o fato que os neo-ortodoxos falam entusiasticamente da Bíblia, da Palavra de Deus, que ele nos fala hoje através das Escrituras e que devemos obedecer à sua voz. O que poderia ser mais ortodoxo? O problema, todavia, é que a neo-ortodoxia usa termos, expressões e linguagem ortodoxos, quando se refere à Bíblia, mas lhes dá um sentido diferente. “A voz é de Jacó, porém as mãos são de Esaú” (Genesis 27.22). Há pelo menos três pontos da doutrina da Escritura em que a neo-ortodoxia se afasta da ortodoxia. Sei que não é sempre possível falar da neo-ortodoxia como se fosse um movimento unificado e monolítico. Assim, aqui nesse post falarei de maneira genérica, tomando de vez em quando as idéias de Karl Barth como representativas.

1. A neo-ortodoxia conservou a crítica bíblica destrutiva do liberalismo teológico.

O liberalismo, na época do surgimento da neo-ortodoxia, havia reduzido a Bíblia a um livro de religião comum, cheio de erros e contradições de toda sorte, onde encontramos apenas o registro da fé dos israelitas e da fé da Igreja cristã primitiva. Os neo-ortodoxos se levantaram contra a aridez e o ceticismo do liberalismo porque, ao final, ele não nos deixava mais ouvir a voz de Deus através da Bíblia. Para a neo-ortodoxia em geral, o erro dos liberais não foi empregar a crítica bíblica para mostrar que a Escritura está cheia de erros e contradições, mas de pensar que isso era um empecilho para que Deus nos falasse hoje. O maior de todos os milagres é exatamente que Deus nos fala através das palavras imperfeitas, erradas, imprecisas e equivocadas desse livro. A neo-ortodoxia, portanto, desejava manter a relevância da Bíblia sem descartar as afirmações dos liberais, que o Pentateuco era uma edição mal-feita de fontes escritas no período do exílio, que o relato de Gênesis 1-3 era mítico, que os Evangelhos Sinóticos tinham erros, que não havia nada de histórico no Evangelho de João, que Paulo não escreveu a maioria das cartas com seu nome e assim por diante.

Aqui a neo-ortodoxia se afastou da ortodoxia, que apesar de analisar a Bíblia como literatura, não negava sua autenticidade, integridade, historicidade e a veracidade de seus relatos. Enquanto que para a ortodoxia a Bíblia é infalível, a neo-ortodoxia mantém a posição crítica do liberalismo, que a Bíblia está cheia de erros e contradições. A neo-ortodoxia vai mais além do liberalismo em dizer paradoxalmente que, apesar disso, Deus fala infalivelmente através desse livro às pessoas de hoje.

2. A neo-ortodoxia faz a separação entre Palavra de Deus e Escritura.

Na verdade, essa separação antecede a neo-ortodoxia, que a tomou emprestada de um dos apóstolos do liberalismo, J. Solomo Semler, (1725-1791): “A raiz de todos os males (na teologia) é usar os termos ‘Palavra de Deus’ e ‘Escritura’ como se fossem idênticos”. Para Barth, por exemplo, a Bíblia é uma testemunha da Palavra de Deus, Jesus Cristo, e não deve ser confundida com essa Palavra. Todos conhecem o slogan neo-ortodoxo, que a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas que se torna a Palavra de Deus quando este, soberanamente, usa-a para nos falar. Sem esse momento milagroso, é um livro qualquer (embora, para sermos honestos, Barth ao final de sua vida, estava mais disposto a admitir que, mesmo na estante, a Bíblia era a Palavra de Deus). Como testemunha da revelação ou da Palavra, a Bíblia não é infalível e muito menos inerrante. Ela é o registro humano da reação de fé que as pessoas tiveram diante da revelação de Deus, Cristo. Os autores bíblicos não foram inspirados conforme diz a ortodoxia, ou seja, suas palavras não foram ditadas mecanicamente por Deus (alguns neo-ortodoxos gostam de caricaturizar a doutrina reformada da inspiração plenária e transformá-la na teoria do ditado). Para os neo-ortodoxos, a inspiração reside naquele encontro contemporâneo entre o leitor e Cristo, a verdadeira Palavra de Deus, nas páginas da Bíblia. Portanto, a Bíblia não é inspirada, mas é instrumento para que essa inspiração aconteça.

É claro que esse conceito, advindo do liberalismo do qual Barth nunca se livrou totalmente, não pode ser considerado como ortodoxo. Na ortodoxia, a Bíblia é a Palavra de Deus, dada por inspiração divina, que consistiu na atuação soberana do Espírito de Deus em seus autores humanos, usando o seu conhecimento, a formação, o estilo, e de tal maneira orientando-os que o resultado final, em qualquer momento, pode com justiça ser chamado de a Palavra infalível e plenamente confiável de Deus.

3. A neo-ortodoxia considera irrelevante para a fé a veracidade dos relatos bíblicos.

A maneira que a neo-ortodoxia seguiu para resgatar a fé cristã dos resultados destrutivos da crítica bíblica do liberalismo não foi enfrentá-los e mostrar as suas incoerências, e nem mesmo que eram viciados pelos pressupostos racionalistas. Os neo-ortodoxos aceitaram pacificamente que a Bíblia não nos dá relatos verdadeiramente históricos, fatos ocorridos na história linear. Contudo, afirmaram que aquilo não tinha qualquer relevância para a fé cristã. A fé não depende da história. O Cristianismo permanece relevante independentemente da historicidade ou não da criação, da queda e da ressurreição. Como ilustração, menciono o comentário de Karl Barth em Romanos 1.4, “e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor”, Barth diz:

Esta designação de Jesus [como Filho de Deus pela ressurreição dos mortos] é o seu verdadeiro significado e como tal não pode ser verificado historicamente. Jesus, como o Cristo, o Messias, é o final dos tempos. Ele só pode ser entendido como paradoxo, como vencedor, como pré-história... Do ponto de vista histórico, Cristo só pode ser entendido como problema, mito; ele traz o universo do Pai, do qual nada conhecemos, nem podemos vir a conhecer, através da história.

Aqui Barth declara que a história não pode transmitir o mundo de Deus. Num futuro post de Solano Portela, ele vai falar mais claramente sobre a distinção feita pelos neo-ortodoxos entre historie (história, fatos brutos) e heilsgeschichte (história santa, ou história salvífica). Adiantando um pouco o conteúdo, essa distinção cria dois mundos distintos e não conectados, o mundo da história bruta, real, factível e o mundo da fé, da história da salvação. Coisas como a criação, Adão, a queda, os milagres, a ressurreição, todas elas pertencem à heilsgeschichte e não à historie, a história real e bruta. Aos cristãos não interessa o que realmente aconteceu no túmulo de Jesus no primeiro dia da semana, mas sim a declaração dos discípulos de Jesus que ele ressuscitou.

Dessa forma, neo-ortodoxos falam da criação, da queda, da ressurreição, mas o que eles querem dizer com isso é bastante diferente da ortodoxia. Os neo-ortodoxos atacaram duramente a busca liberal pelo Jesus histórico, não porque acreditassem que esse Jesus já estava retratado nas páginas dos Evangelhos, mas porque essa busca era irrelevante para a fé. Para eles, o que nos interessa não é o Jesus da história (qualquer que tenha sido), mas o Cristo da fé, que é o Cristo que encontramos nas páginas do Novo Testamento.

Não acho que perdi meu tempo ao criticar liberais em posts anteriores, mesmo que o liberalismo teológico clássico, como movimento, já passou na Europa e nos Estados Unidos. O velho liberalismo ressuscita na historie, transformado em neo-ortodoxia. Neo-ortodoxos identificam-se com orgulho como seguidores do afável e simpaticíssimo Karl Barth, cuja teologia consideram inteligente, reformada e certamente ortodoxa. Não há o que duvidar que é inteligente. Reformada... pode-se discutir. Mas, certamente, ortodoxa, não.


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quinta-feira, maio 18, 2006

Augustus Nicodemus Lopes

Por que o Barthianismo foi chamado de Neo-Ortodoxia

Por     28 comentários:
Karl Barth (1886-1968) certamente repudiaria a idéia de um movimento que levasse seu nome. O genial teólogo e pastor suíço, apesar de estar entre os maiores teólogos do seu século, jamais aceitaria isso. Apesar de tudo, com o estrondoso sucesso de seu ministério como pregador, professor e escritor, foi inevitável que as suas idéias dessem origem a um movimento ligado ao seu nome.

Esse movimento teológico nascido com Barth ficou mais conhecido como neo-ortodoxia. Há outros nomes ligados à neo-ortodoxia, como Emil Brunner e Richard Niebhur, mas nenhum deles supera o nome do professor de Basel.

Para que entendamos a razão pela qual o barthianismo veio a se chamar neo-ortodoxia é preciso que lembremos o momento histórico em que ele surgiu.

Após a Reforma, durante os séculos dezessete e dezoito, a Igreja protestante foi largamente influenciada por idéias originadas do Iluminismo. O racionalismo desejava submeter todas as coisas ao crivo da análise racional. Lentamente a razão humana começou a triunfar sobre a fé. O filósofo L. Feuerbach tentou transformar a teologia em antropologia, dizendo que tudo que se diz sobre Deus, na verdade, é dito sobre o homem. Ele influenciou grandemente K. Marx, S. Freud, R. Bultmann e F. Schleiermacher. Esse último desvinculou a fé cristã da história e da teologia, reduzindo a experiência religiosa ao sentimento de dependência de Deus. Somente depois ficaria evidente que era impossível construir uma teologia em cima de um terreno tão subjetivo, mas na época, e por mais de um século, Schleiermacher foi seguido por muitos e sua influência continua até hoje.

Na mesma época, surgiu o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia, que negava a inspiração divina de seus livros e tratava-a como meros registros humanos falíveis e contraditórios da fé de Israel e dos primeiros cristãos. A confiança na Bíblia foi tremendamente abalada.

Esses desenvolvimentos dentro da Igreja e o movimento que surgiu associado a eles foi chamado de liberalismo. O liberalismo tinha uma perspectiva elevada do homem e acalentava a esperança de que o Reino de Deus poderia ser implantado nesse mundo mediante os novos conhecimentos científicos e tecnológicos trazidos pelo Iluminismo. Com isso, o Evangelho perdeu a sua exclusividade e força. A Igreja começou a secularizar-se, particularmente na Europa.

Então veio a I Guerra Mundial. As esperanças do liberalismo teológico e do humanismo em geral foram esmagadas. Perplexidade e confusão dominaram os cristãos da Europa. Surge a teologia da crise.

Foi nesse vácuo de referencial e autoridade que soou a voz de Karl Barth. Ele atacou o subjetivismo da religiosidade liberal, originada em Schleiermacher, porque se apoiava nas experiências e emoções humanas e não na verdade de Deus. Barth criticou a rendição da Igreja à psicologia e exigiu que ela se curvasse somente diante da absoluta autoridade da Bíblia. Não poupou críticas virulentas contra os críticos da Bíblia, especialmente por terem destruído a autoridade da Bíblia, deixando-a sem relevância para as pessoas de sua época e deixando a Igreja sem uma mensagem autoritativa.

Barth proclamou a necessidade de se ouvir outra vez a voz de Deus na Escritura, Deus esse que nos fala hoje, de maneira soberana. Seu apelo foi para que deixassem Deus ser Deus e que a Igreja retornasse às coisas divinas.

Barth se levantou contra tudo que era humano e que havia prevalecido dentro da Igreja desde a Reforma, começando com a religiosidade subjetiva de Schleiermacher, passando pelas idéias dos críticos, dos humanistas, até os conceitos dos liberais de seus dias. Ele queria que teólogos se ocupassem com as coisas divinas em vez de serem exclusivamente historiadores, arqueólogos, filósofos e cientistas da religião. Seus textos e mensagens vieram recheados de referências e exegese de textos bíblicos, que ele citava como autoridade.

Barth pregava fervorosamente sobre justificação, pecado, graça, eleição, temas fundamentais do pensamento reformado. Não demorou para que sua reação contra o liberalismo e seu apelo de retorno à Bíblia fosse entendido por muitos, liberais e conservadores, como o ressurgimento da antiga ortodoxia cristã, reinterpretada e adaptada à nova realidade, uma nova ortodoxia.

O impacto da neo-ortodoxia de Barth se fez sentir em todos os lugares. Muitos liberais foram obrigados a rever suas idéias e modificá-las. Muitos conservadores abraçaram a neo-ortodoxia, pois ela por um lado os tornava respeitáveis intelectualmente (por acreditarem na evolução e em alguns aspectos da crítica bíblica), e por outro, permitia que continuassem a usar a mesma linguagem dos evangélicos ortodoxos.

A neo-ortodoxia, na verdade, era uma tentativa de síntese entre a ortodoxia da Igreja e o liberalismo teológico, e sem dúvida alguma, nessa síntese, o liberalismo perdeu sua força. Mas, não só ele – a ortodoxia também já não seria a mesma.

Em que pese a dívida histórica que a Igreja tem para com a neo-ortodoxia, por haver enfrentado e detido o avanço do liberalismo em seus dias, essa dívida não pode ser teológica. Pois na verdade, em termos de conteúdo, o barthianismo tem pouca coisa em comum com a ortodoxia histórica da Igreja.

Mas, sobre isso escreverei num próximo post.

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Veja abaixo uma bibliografia resumida em português sobre K. Barth.

K. Barth em português e espanhol:

La Proclamacion del Evangelio. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969.

Dádiva e Louvor: Artigos Selecionados. São Leopoldo: Sinodal, 1986.

Introdução à teologia evangélica. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

Romanos. São Paulo: Novo Século, 1999.

Fé em busca de compreensão. São Paulo, Novo Século, 2000.

Algumas poucas obras e artigos sobre Barth em português:

POLMAN, A. D. R. Barth. Recife, 1969.

SCHNUCKER, R.V. “Neo-ortodoxia”. In: ELLWEL, Walter (ed.), Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. vol. 3. São Paulo: Vida Nova, 1990, pp. 12-15.

FERREIRA, Franklin. "Karl Barth: uma introdução à sua carreira e aos principais temas de sua teologia”. In: Fides Reformata 8/1 (2003), pp. 29-62.

Obras gerais que mencionam Barth:

GUNDRY, Stanley (ed.). Teologia Contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.

HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1995, pp. 343-345.

OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Vida, 2001, pp. 585-605.

GRENZ, Stanley & OLSON, Roger. Teologia do Século XX: Deus e o Mundo Numa Era de Transição. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

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segunda-feira, maio 15, 2006

Solano Portela

Insegurança e Comoção Social – quando o governo perde o foco do seu propósito principal

São Paulo tem vivido nos últimos dias, com uma intensidade sem precedentes, uma situação de violência desenfreada claramente orquestrada e armada pelos líderes do famigerado PCC (Primeiro Comando da Capital). O desafio aberto às autoridades, com ataques a postos de policiamento e fóruns criminais; o assassinato de policiais e de civis; os incêndios criminosos a transportes coletivos, agências bancárias e, sabe-se lá, quantos outros recursos comunitários serão atingidos; as rebeliões nos presídios, com reféns e execuções brutais; os pronunciamentos desencontrados de certas autoridades – são clara evidência de que a estrutura remanescente de lei e ordem é extremamente frágil, em nossa sociedade, e facilmente rompida com um mínimo de articulação e esforço por parte dos que já se posicionaram contra a justiça e o direito. Vivemos uma verdadeira batalha campal, com mais vitimas do que muitos locais de guerra declarada.

Nosso desejo seria o de simplesmente expressar indignação e solidariedade para com as famílias das vitimas inocentes nas mãos dos assassinos, que não têm o temor de Deus nem respeito às suas determinações para a humanidade. Mas sentimos que é hora de lançarmos alguns questionamentos adicionais. O que é possível fazer nessa situação? Certamente devemos apoiar as autoridades e repelir a violência de todas as maneiras. No entanto, o retorno à estabilidade social não é obtido pela simples colocação nas ruas de um formidável contingente de policiais ou até de batalhões de soldados. O exemplo do Iraque está aí, explícito, onde o exército supostamente mais poderoso do mundo mostra-se incapaz, com todo o seu efetivo, de controlar ações organizadas, mas disparadas indiscriminadamente, por um bando de desajustados que pouco se importam com vidas humanas ceifadas por suas bombas e ataques. Os paralelos com o nosso Brasil já têm sido sobejamente apontados e não creio que seja a demonstração de força nas ruas que traga a solução real.

Essa situação nos faz não somente temerosos para com a vida do nosso povo, e dos que amamos, mas deve nos levar a uma séria reflexão dos rumos que foram perdidos ao longo dos anos. Estamos cansados da mesma resposta de algibeira, de que essa fragilidade é fruto da desigualdade social – uma solução que insulta os milhões de trabalhadores e famílias honestas, que lutam contra a adversidade econômica, mas preservam a dignidade de comportamento e o respeito pela vida e pelo bem alheio. É claro que, como sociedade, devemos nos empenhar para uma equalização das oportunidades de progresso a todos. Mas isso é bem diferente de uma equalização de bens e recursos que ignora a necessidade de trabalhar a equanimidade das oportunidades. Ou seja, a missão do governo não é igualar a todos, mas igualar as oportunidades para todos.

O problema que atravessamos, portanto, é mais grave, mais profundo, e diz respeito a um desvio do propósito real e primordial do governo e da missão maior dos governantes. Durante décadas a idéia do governo amplo e abrangente, que se intromete em todos os aspectos da sociedade, tem sido defendida e apresentada como a solução de todos os males. Os governantes adoram essa diversificação, pois lhes confere mais poder; o povo, enganado, considera os governos e os governantes “bons” quanto maiores sejam as promessas de intervenção em todas as áreas de nossa vida. As promessas nunca são cumpridas, a esperança é estrangulada, mas a memória curta dos eleitores, e a avidez por soluções milagrosas, vão perpetuando e agravando um governo cada vez maior, mais inchado e mais opressor. Chegamos à seguinte situação:

1. A idéia de um governo limitado, mínimo, é rechaçada, e quanto mais caos e convulsão social ou econômica atravessamos, mais prontos estamos para conceder mais poder aos governantes – depois nos espantamos porque a segurança da sociedade é “apenas” uma das funções do governo (e nunca a prioritária).

2. A idéia de respeito às autoridades vem sendo repetidamente minada na sociedade, a começar pela destruição da família, pela ridicularização dos mais velhos; pelo enaltecimento indevido de uma cultura jovem e permissiva que pode prosseguir sem direcionamento ou disciplina; pelo abrigo de “movimento dos sem isso ou aquilo” que podem desrespeitar as leis ao bel prazer, desde que tenham a mais tênue e remota justificativa social – depois nos espantamos porque não existe mais respeito pela polícia, nem pelo bem individual, nem pelos recursos da coletividade.

Como cristãos, deveríamos estar intensamente interessado em todas essas questões que transcendem o próprio instinto de conservação de nossas pessoas e nossas famílias, mas tocam no legado social que pretendemos deixar para os nossos netos e nos conceitos que Deus nos apresenta em sua Palavra – como missão nossa, como cidadãos; e como estrutura para a regência da sociedade.

O governo, ou o estado – no seu sentido mais amplo – deveria fazer pouco, mas fazê-lo bem e com competência. O livro que Deus escreveu para o homem – A Bíblia – ensina a origem da autoridade, e constatamos que ela procede de Deus (João 19.10-11). Ela também nos faz entender a origem do estado, e constatamos que ele se tornou necessário após a queda do homem em pecado, sendo formalmente instituído após o dilúvio (Gênesis 9); igualmente ela explicita o propósito principal do governoa segurança dos seus governados (Romanos 13).

Outras perguntas importantes também não são deixadas sem respostas pela Bíblia: ela nos apresenta a necessidade de um governo ilimitado, ou apresenta limites a um governo controlado por propósitos fundamentais? Queremos (se desejamos refletir o conceito bíblico) mais governo, ou menos governo (por “menos governo”, não nos referimos a um governo inoperante, deficiente, ineficaz, que não cumpra suas responsabilidades básicas), ou seja: estamos esperando, do estado, ações que pertencem a nós, como indivíduos; ou nas quais até a própria igreja deveria estar envolvida? Estamos projetando um caráter messiânico, e não protetor, ao estado? Em todas essas questões, vamos encontrar a Bíblia dando diretrizes que focalizam a tarefa principal do governo – a repressão aos malfeitores e o reconhecimento dos que praticam o bem (1 Pedro 2.13-14).

A Bíblia especifica, em paralelo, várias obrigações dos governados, sobre isso podemos falar em uma outra ocasião, mas a grande realidade vivida é que nessa perda de foco a sociedade está sendo moída pela violência. Os governantes foram estabelecidos com o propósito de reprimir os que fazem o mal. Deus utiliza governos, governantes e estados imperfeitos para restringir o mal. Deus os usa para impedir o caos generalizado, os assassinatos em massa, os “arrastões”.

É verdade que muitos governos instituídos abusam a autoridade em muitas situações –em muitos lugares do mundo, testemunhamos ataques e opressões pontuais da parte de governantes e isso só revela que a natureza humana, também dos governantes, está caída em pecado. Ainda assim, de uma forma generalizada, Deus restringe a escalada da brutalidade contra a igreja e contra as pessoas. Mesmo a justiça imperfeita e tribunais imperfeitos servem como limites ao fluxo de opressão desenfreada, mesmo que funcionem alimentadas pela sede do poder pessoal e por ganância pessoal.

Os governos, portanto, recebem de Deus o poder de utilizar “a espada”, ou seja, de utilizar a força física contra criminosos. Deus é pela dignidade da vida humana e, por isso, delega ao estado a preservação das vidas dos cidadãos, dando a ele poder sobre a dos criminosos. Cabe aos governos, através de suas cortes, se constituírem nos vingadores legais da sociedade contra o crime. Ninguém tem a aprovação, pela Palavra, em nossa sociedade, de fazer justiça pelas próprias mãos. Na sociedade, a autoridade recebida de Deus é exercida pelo governo civil. Sem dúvida, de acordo com o texto magno de Romanos 13.1-7, os governantes têm a obrigação primordial de zelar pela ordem civil. É simples assim! Todas as demais questões nas quais se envolvem, são supérfluas. Todas elas tiram o foco e a concentração do principal – essa é a grande razão de estarmos envolvidos neste caos – porque durante anos, o governo tem sido voraz e temos alimentado a sua insaciabilidade. Também porque a grande maioria dos supostos “representantes do povo”, não tendo visão de estadistas, terminam representando-se a si mesmos e seguindo seus próprios caminhos – isso quando não promovem desvios de recursos.

Além de estarmos intercedendo pelas autoridades, como nos manda 1 Timóteo 2.1-3, e colocando a responsabilidade nos criminosos – que subtraem a nossa segurança, reflitamos, contudo, na gigantesca máquina burocrática e trituradora que nós construímos. Ela perdeu seu foco ao longo do tempo e seus tentáculos atingem a todas as esferas, mas age pifiamente naquela área que seria a sua finalidade principal: garantir a segurança dos cidadãos.

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terça-feira, maio 02, 2006

Mauro Meister

Códigos continuam em alta no mercado de ações: Código da Vinci


Parece que se alguém quer vender bem deve colocar a palavra "código" no título do livro. Já passamos pelo Código da Bíblia, o Novo Código Cívil Brasileiro (vendeu bem, até entre igrejas tentando encontrar o seu caminho nos emaranhados da lei), e, agora, o filme, Código da Vinci (Vi o material de promoção nos cinemas... chama a atenção). Antes de tratar da matéria, alguns dados (se você já conhece os fatos, pule para a análise):

O livro Código da Vinci, de Dan Brown, ficou por 3 meses inteiros na lista dos “mais vendidos” do New York Times, sendo que vários dias como ‘o mais vendido’. Os números bateram Harry Potter, que já vinha como um fenômeno literário popular. Com tudo isto os livros de Dan Brown chegaram a ocupar do 1º ao 4º lugar na lista de mais vendidos, simultaneamente. Hoje, o livro já vendeu mais de 40 milhões de cópias, em 44 idiomas. No Brasil, com apenas dois meses depois do lançamento (2004), já tinha vendido mais de 50 mil cópias. Segundo George Barna, um tipo de Gallup evangélico nos EUA, 53% das pessoas que leram o livro disseram ter se sentido beneficiadas espiritualmente pela leitura do livro.

Como não poderia deixar de ser, um fenômeno editorial precisa virar filme, assim como tudo o que vende. Hollywood não perdeu sua chance: no dia 19 de maio será lançado mundialmente no cinema o Código da Vinci, com não menos do que Tom Hanks, no papel de Robert Langdon, o ‘herói’ do filme.

Para esquentar um pouco o hipe do mundo cinematográfico, Dan Brown foi processado por plágio, na Inglaterra, por dois historiadores que alegavam ter o seu material copiado por Brown. Perderam, é claro!
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A sinopse: “O famoso simbologista e professor Robert Langdon (Tom Hanks) é convocado a comparecer ao Museu do Louvre uma certa noite, onde o curador foi assassinado, deixando para trás um rastro de pistas e símbolos misteriosos. Com a própria vida em jogo e a ajuda da agente Sophie Neveu (Audrey Tautou), criptóloga da polícia, Langdon descobre uma série de mensagens atordoantes ocultas nas obras de Leonardo da Vinci, que levam a uma sociedade secreta cuja missão é proteger um segredo secular que permanece guardado há 2.000 anos.O casal se lança numa emocionante gincana pelas ruas de Paris, Londres e pela Escócia, coletando pistas, ao mesmo tempo em que tenta, desesperadamente, decifrar o código que revelará segredos que podem abalar os alicerces da civilização.” (Columbia Pictures)

As principais dúvidas lançadas no enredo do livro:

  • Será que Jesus foi meramente humano e não divino?
  • Será que Jesus casou com Maria Madalena e teve filhos? (Baseado nos evangelhos apócrifos de Maria Madalena e no evangelho de Felipe).
  • Existe mesmo o Santo Graal? Se sim, o que é e onde pode ser encontrado?
  • Os quatro Evangelhos na Bíblia foram escolhidos entre mais de 80 evangelhos disponíveis na época e a divindade de Jesus só se tornou 'ortodoxia' a partir do Concílio de Nicéia, 325 A.D.
Análise:
a. Primeiro, precisamos fazer a pergunta fundamental: é relevante tratar este assunto? A resposta é quase que auto-evidente: milhões de pessoas estão lendo o livro e serão influenciadas de alguma maneira, agora, pelo filme.

b. Como serão influenciadas? Creio que de duas formas básicas: há aqueles que se deixarão impressionar pelo assunto e pensarão que as bases do cristianismo bíblico e histórico foram definitivamente abaladas; há os que imediatamente compreenderão que se trata de mera ficção e verão o filme nesta condição.

c. O autor trata o assunto como fato? Sim, ainda que seja mera ficção, Dan Brown, numa grande jogada comercial, assume que suas pesquisas tem caráter histórico e que o que apresenta como ficção reflete fatos ‘revelados’ por ele. Em entrevista a Matt Lauer, na NBC (9 de junho de 2003), ele reponde à seguinte pergunta: “Quanto disso (o material do livro) é baseado na realidade, em termos de coisas que de fato aconteceram? Absolutamente tudo. Obviamente, Robert Langdon é personagem de ficção, mas toda a arte, arquitetura, rituais secretos, sociedades secretas – todas estas coisas são fatos históricos (publicado em Desmascarando o Código da Vinci, James Garlow e Peter Jones, Ad Santos).

Veja o que Brown diz em uma entrevista (no site da editora Sextante):

Como conseguiu as informações secretas descritas no livro?
A maioria das informações não são tão secretas quanto parecem. O segredo descrito no livro tem sido debatido ao longo dos anos, portanto há milhares de fontes de informações. Além disso, fiquei surpreso ao constatar o quanto os historiadores desejavam compartilhar seus conhecimentos comigo. Uma professora me disse que seu entusiasmo por O Codigo Da Vinci devia-se em parte à sua esperança de que "esse mistério antigo pudesse ser revelado a um número maior de pessoas".

Você se considera um teórico da conspiração?
De modo algum. Na verdade, estou mais para um cético. Não acredito em histórias de visitantes extraterrestres, círculos em plantações, triângulo das Bermudas e muitos outros "mistérios" que permeiam a cultura pop. No entanto, o segredo por trás de O Código Da Vinci está muito bem documentado e é muito significativo para que eu o descarte.

O tema deste livro é muito polêmico. Você teme a repercussão disso?
Não. Como disse anteriormente, o segredo que revelo vem sendo debatido há séculos. Não é criação minha. Pode ser a primeira vez que o segredo é exposto num romance popular, mas as informações não são novas. Minha esperança é que O Codigo Da Vinci, além de divertir as pessoas, sirva como um primeiro passo para que elas explorem o tema por conta própria.

d. As idéias ‘reveladas’ no livro abalam as bases do cristianismo? Se um leitor considerar que a descrição feita no livro sobre Jesus e Maria Madalena são verdadeiras, que tem real caráter histórico, este leitor será abalado quanto a sua visão do cristianismo. Na verdade, a proposta da conspiração é de que todo o cristianismo histórico é um verdadeiro embuste, como dito pelo próprio Dan Brown, uma conspiração muito antiga e documentada. No entanto, o livro, em si, não abala a nada, uma vez que é realmente ficção.

e. Este livro prejudica diretamente o cristianismo? Creio que o livro colabora com o atual ‘estado da arte’ e a cultura pós-moderna em sua batalha contra o cristianismo. O fato é que nossa sociedade globalizada caminha cada vem mais rapidamente rumo aos conceitos do antigo paganismo, divindades femininas, sexualidade cúltica, homossexualismo filosófico e religioso e os conceitos do monismo oriental. Ainda que o livro não seja sobre sexo e sexualidade, promove conceitos muito fortes a anti-cristãos sobre o tema. O conceito de encontrar o sagrado na sexualidade (ou no ato sexual), torna-se cada vez mais popular. Ainda que no Brasil (até onde eu saiba) os cursos sobre sexualidade nas universidades ainda sejam mais discretos, nos EUA e Europa são temas tratados de forma bem aberta.

f. Vale a pena responder a este tipo de coisa? Creio que seja extremamente necessário, ainda que sem dar mais valor ao livro e filme do que realmente tenham. O fato é que muitas pessoas acabam tendo sua opinião formada por este tipo de literatura e precisam de orientação. O livro não só trata de forma errada alguns temas religiosos mas, pinta um quadro distorcido do cristianismo e induz o leitor a pensar que a Bíblia é a fonte dessas coisas, inclusive a idéia medieval de que sexo é o pecado original e que toda a ‘religião’ bíblica é machista. Uma característica comum desses trabalhos é ignorar deliberamente as fontes verdadeiramente históricas dos assuntos que são alvo de seus relatos. Como leitores lúcidos, não podemos cair no mesmo erro.

g. Afinal, é lícito ler o livro e ver o filme? Fui um dos primeiros a comprar o livro quando foi traduzido para o português e certamente vou ver o filme. Não poderia escrever este post sem ter lido o livro. Depois do sucesso editorial que foi nos EUA, sabia que teria as suas repercussões na nação tupiniquim. Tentei, inclusive, indicar um livro resposta para ser publicado em português, simultaneamente ao lançamento da tradução no Brasil, mas os direitos já estavam reservados.

h. Esta história ainda vai longe? Por um tempo, mas o sucesso termina. O fato é que antes que um ‘fenômeno’ literário termine os seus dias de glória, outro aparece no seu lugar. Creio, sim, que este espírito vá continuar, em outras obras literárias e cinematográficas, afinal, este é o espírito do século. Mais do que o Harry Potter, me preocupa O Código da Vinci, os artigos sobre o Evangelho de Judas e outras obras pseudo-históricas; e mais do que todas essas as “obras” e o potencial desagregador, destrutivo e de falsa auto-ajuda do Paulo Coelho, agora imortal.

i. Vale a pena usar o tema para discussão e preparar-se para isto? Sim. Muita gente que se encontra alienada de temas religiosos e das questões de fé podem ser despertadas para a reflexão. Creio que os cristãos devem estar preparados para aproveitar este momento e usar como um gancho para falar do verdadeiro evangelho de Cristo. O Campus Crusade for Christ (organização evangélica atuante nas universidades americanas e européias), imprimiu 10 MILHÕES de cópias de um livrete entitulado Da Vinci Code, A Companion Guide to the Movie, para auxiliar universitários cristãos neste debate.

Já existem vários sites, em inglês, que assumem uma postura apologética e ajudam a compreender como lidar com O Código da Vinci.

Site do livro de Dan Brown: http://www.danbrown.com/novels/davinci_code/
Site do livro em português: http://www.esextante.com.br/publique/cgi/public/
cgilua.exe/web/templates/htm/principal/view_0002.htm?editionsectionid=2&infoid=2352&user=reader


Site cristão em inglês: http://www.thetruthaboutdavinci.com/

Compra do livro Desmascarando o Código da Vinci, James Garlow e Peter Jones, Ad Santos. Ao final do livro o leitor encontra um Guia de Leitura. Recursos em inglês sobre o livro: http://www.crackingdavinciscode.com/breaking.cfm

Site dos autores do Desmascarando o Código da Vinci: http://www.jimgarlow.com/ e http://www.spirit-wars.com/articles.asp?id=96929&section=Newsletter


Creio que um livro que virá para ajudar na questão é Stolen Identity: The Conspiracy to Reinvent Jesus, Peter Jones, em tradução pela Editora Cultura Cristã (com apenas 4 meses este livro já está na segunda impressão!).


Para vender, vale tudo:

Caderno de Viagens de O Código Da Vinci, O
Dan Brown
PREPARE-SE PARA EMBARCAR NUMA GRANDE AVENTURACOM ESTE CADERNO DE VIAGENS INSPIRADO EM O CÓDIGO DA VINCI.

Seguindo os passos de Robert Langdon e Sophie Neveu pela Europa, você pode desvendar os mistérios apresentados no livro que já vendeu mais de 45 milhões de exemplares em todo o mundo.

Este charmoso guia traz um roteiro detalhado de ruas, igrejas, museus e monumentos que os protagonistas percorreram em sua jornada em busca de respostas.

Reproduzindo trechos importantes da trama, o caderno é ilustrado com imagens de localidades históricas e obras de arte como A Mona Lisa e A Última Ceia. Além disso, há páginas pautadas para você anotar suas primeiras impressões sobre esta fascinante viagem.
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