Recentemente recebi uma carta de um jovem universitário que estuda um ramo das ciências, indicando interesse em saber como eu
havia conjugado a formação superior em ciências exatas com minha especialização e estudos no campo da teologia. Ele queria saber um pouco da minha história, como eu organizava essas situações em meu pensamento e expressava desejo de igualmente se aprofundar em teologia, após a conclusão do seu curso. Respondi com um e-mail um pouco extenso e minha esposa achou que talvez outros leitores tivessem o mesmo tipo de indagação ou interesse nessa história toda. Assim, aqui vai mais essa “blogada” de reflexões pessoais. Perdoem, se soar muito como um currículum-vitae. A intenção não é essa, mas apenas aferir e apresentar as oportunidades que foram abertas por Deus em um caldeirão de idéias e caminhos aparentemente incompatíveis.
Há muitas luas atrás (1967), viajei aos Estados Unidos, com 19 anos. Na ocasião eu havia iniciado a graduação em Professorado de Desenho, na Universidade Federal de Pernambuco, mas comecei a me movimentar para ir a uma faculdade cristã, já pensando em fazer teologia, depois do curso universitário. Consegui uma pequena "bolsa" e trabalhei bastante para cobrir a maior parte dos custos dos meus estudos. Terminei ficando sete anos lá - o último casado (minha esposa é canadense - conheci-a na faculdade). Fiz matemática pura, como graduação. Tive vários cursos na área das exatas. Na área da física, por exemplo, o meu livro era "Mecânica Analítica para Engenheiros". Sempre gostei dessa área, mas desejava estudar teologia e assim fiz o mestrado, depois da graduação, no Biblical Theological Seminary (1971-1974).
Deus utilizou esse preparo de muitas maneiras. Na área das ciências, trabalhei no meu último ano, nos Estados Unidos, em metalurgia e usinagem, aprendendo bastante sobre testes, classificação e conformação dos metais, planejamento de produção, etc. Todo esse aprendizado, em cima da base matemática, serviram-me nos primeiros 14 anos de vida profissional, quando retornei ao Brasil. Trabalhei 13 em uma fábrica de engrenagens, no Nordeste, chegando à diretoria industrial, e um ano na Honda, em Manaus. Depois disso passei à área comercial e dirigi empresas no ramo de veículos, em Manaus e em São Paulo, encerrando essa fase em uma empresa importadora, fabricante e distribuidora do ramo de cosméticos, na qual atuei na parte financeira-administrativa por seis anos.
Em paralelo a tudo isso, sempre procurei utilizar o treinamento em teologia. Ensinei à noite em seminários, institutos bíblicos e, aos domingos, na Escola Dominical. Fui ativo na pregação da Palavra e participei de várias conferências como tradutor e palestrante. A partir do final da década de oitenta, comecei a escrever mais, publicando alguns livretos, livros, artigos, estudos, etc. Na minha compreensão, a teologia sempre
complementou a questão da ciência e da lógica. Sempre que me aprofundava na teologia, minhas convicções cristãs eram solidificadas e a apreciação analítica desenvolvida na área das exatas não era destruída, mas servia de fio de prumo ao alinhamento do pensamento. Graças a Deus, nunca experimentei conflitos, períodos de ceticismos, ou coisa que o valha. Nunca senti a necessidade de alijar a fé cristã a uma postura meramente mística, sem relação com o mundo que nos cerca; situação na qual caem tantos escolados nas ciências, acometidos por um conflito hipotético, e que procuram resolver pela sublimação da religião a uma esfera meramente transcendente e indescritível. Vejo que muitos profissionais ou acadêmicos reduzem a fé a prática religiosa a um misticismo puro e com isso contornam a questão e deixam de realmente viver a vida em toda a sua extensão.
De minha parte, reconheço que a fé cristã é mística em sua essência, mas eu prefiro identificar o que é classificado como "misticismo" como a parte transcendente da realidade. Aproveitando o gancho de Francis Schaeffer ("A Morte da Razão"), a realidade é constituída de duas partes - uma compreensível pelos sentidos imediatos e ancorada na parte física e a outra, não menos real, representada pela parte espiritual, metafísica. A mente moderna - racionalista e materialista, tende a se concentrar na realidade física, interpretando esta como sendo o todo da realidade.
Não consigo divorciar essas realidades. Creio em um entrelaçamento intenso entre a realidade palpável e a espiritual, de tal forma que sempre procuro lógica e sentido nas coisas espirituais. Isso me divorcia um pouco dos chamados "místicos" que parecem encontrar realização na convivência intensa com o lado "espiritual" das coisas, apenas. Sou um pouco estranho, pois não encontro muito sentido em ler e meditar em trabalhos como os de Thomas A Kempis e, além disso, fico encontrado traços marcantes de catolicismo e crenças medievais já descartadas pela Reforma do Século XVI, nesses trabalhos.
Para mim, o misticismo puro, mesmo cristão, é uma porta aberta ao subjetivismo; à construção individualizada da fé; ao divórcio do testemunho uniforme da comunidade de santos; à dissociação da lógica e razão do Deus que é todo sabedoria e raciocínio – o Logos. A Palavra de Deus é revelação proposicional, objetiva – verificável por qualquer um. Deus nos ensina que estar "cheios do Espírito Santo" é o oposto da embriaguez – ou seja, o crente cheio do Espírito Santo é lógico, sóbrio, tem os pés nos chão. A Bíblia também nos ensina a estar sempre prontos a dar uma "razão da esperança que está em nós", ou seja - arrazoar, como Paulo fazia (At 17). Paulo diz que Deus se agrada do nosso "culto racional" – não o "culto emocional", ou místico, em si. A nossa fé faz sentido, aos que têm o Espírito Santo em seus corações. As doutrinas da Palavra são lógicas, entrelaçam-se entre si, completam umas as outras. Aos que não têm a Deus, elas são "loucura"; a pregação e o método divino de salvação "é loucura" para os que se perdem.
Assim, sou muito mais um ávido procurador da lógica inerente à fé cristã, do que um sorvedor da literatura mística cristã. Mas isso é apenas a minha persuasão e opinião sobre o assunto. Não classifico os que se deleitam nos místicos de hereges. Apenas não é minha praia.
Essa é a minha experiência e compreensão de vida, na conjugação dessas duas vertentes – ciência e teologia. Algumas vezes fui abordado para ser ordenado ao pastorado. Fico honrado, mas sinto-me encaixado no presbiterato, onde estou desde 1975. Creio que o pastorado é um chamado específico e deveria ser exercitado por aqueles que têm abundantes qualificações na área de relacionamento pessoal, em paralelo ao estudo e preparo teológico. Ser presbítero, ou leigo, não tem me impedido de servir a Deus dentro e fora da igreja – em portas que Deus tem aberto. Sempre existe algo a fazer e se temos um pouco de habilidade no ensino, sempre aparece a necessidade e o desejo de alguém em aprender. O importante é manter sempre a fidelidade às Escrituras como fio de prumo de nossas vidas.
Nesses últimos anos fui agraciado, por Deus, em trabalhar em uma área que sempre se constituiu um dos meus interesses – a educação ministrada a partir dos fundamentos cristãos. O meu dia a dia consiste em conjugar aspectos empresariais sadios com princípios e valores bíblicos aplicados ao campo da educação – novamente um misto de ciência e teologia. Confesso que, lá no fundo, adoraria ter um tio milionário que me financiasse, para que eu pudesse simplesmente ler, escrever e viajar o tempo todo... Não estou reclamando de nada, mas, afinal, sonhar acordado também faz parte da vida...